A Ducati Panigale V4 irrompeu a cena ao oferecer tecnologia de MotoGP a meros mortais, mas não foi a primeira. 30 anos atrás, a Honda NR fez o mesmo com seus pistões ovais, uma superbike que imediatamente ganhou status de colecionável.
Suas origens começam em novembro de 1977, quando a Honda decidiu voltar ao Campeonato Mundial de Motociclismo. A marca japonesa nunca gostou muito de motores dois tempos e queria ter sucesso com seus propulsores de quatro tempos, como todos os seus modelos de rua.
Nessa época de zero eletrônica, os motores de dois tempos estavam dominando o cenário esportivo, já que podiam atingir uma capacidade de giro e de potência mais alta. A resposta era criar um seis cilindros, como havia feito nos anos 1960. Só que as regras haviam mudado e agora estipulavam um máximo de quatro câmaras de combustão.
Como contornar esse problema? Foi então que os engenheiros da Honda vieram com uma solução altamente inovadora: construir um motor em V com pistões ovais e não cilíndricos, conectando duas bielas a cada pistão. No papel, era apenas um V4, mas na prática deveria apresentar o comportamento de um V8.
Tal configuração levou a uma complexidade quase sem precedentes em termos de engenharia mecânica: eram 32 válvulas (de titânio) e oito bielas funcionando dentro um motor de quatro cilindros em V convencional, o que rendia uma potência máxima de 130 cv a 20.000 rpm. O propulsor foi instalado na NR500, sigla para “New Race”.
Apesar das inovações, a NR500 nunca foi competitiva. Mesmo com muitas modificações, a motocicleta quebrava com facilidade, tanto que os jornalistas apelidaram-na de “Never Ready” (nunca pronta). Um 13º lugar de Takazumi Katayama no Grande Prêmio da Áustria de 1981 foi sua melhor exibição. Em 1982, a marca rendeu-se criando a NSR 500 de dois tempos.
Mas a Honda não esqueceu totalmente de sua invenção. Eles aumentaram a cilindrada para 747 cm³ e desenvolveram a NR750, que apareceu nas 24 Horas de Le Mans de 1987. Embora não tenha chegado ao final, produzia 155 cv a 15.250 rpm enquanto as concorrentes rendiam no máximo 135 cv. No início dos anos 1990, a marca japonesa resolveu que a tecnologia já podia ser transferida para o público comum.
Apresentada em 1992, a Honda NR (codinome RC40), era a expressão máxima do que a indústria de duas rodas podia fazer naquele momento. O motor V4 teve o ângulo das bancadas aumentado para 90 graus, utilizava 8 válvulas e duas velas de ignição por cilindro. O resultado era uma potência de 125 cv a 14.000 giros, bastante para a época.
Mas além do motor, a moto carregava uma série de características inovadoras, como quadro em dupla trave de alumínio, garfos invertidos, carroceria em fibra de carbono, rodas de magnésio, caixa de ar pressurizada e painel digital. Quase nenhuma outra moto tinha tudo isso ao mesmo tempo.
A injeção eletrônica PGM-FI usava 7 sensores e uma CPU de 16 bits para controlar os oito injetores, bem como o tempo de ignição. Dizem que os escapes de alumínio sob a rabeta inspiraram Massimo Tamburini a criar a Ducati 916, de 1994.
Isso fez com que a Honda NR ficasse astronomicamente cara, cerca de 45 mil euros em valores atualizados e com produção limitada: apenas 322 unidades foram montadas, tornando-a imediatamente um objeto de desejo para colecionadores abastados. Quando uma aparece à venda, como essa abaixo, vira notícia no mundo todo.
A unidade número 166 em questão pertence a um executivo canadense da indústria de motocicletas que mora no Japão foi leiloada em 2021. Marcava apenas 5.301 km (3.293 milhas) no hodômetro e ainda tinha a nota fiscal de compra. Desde que a comprou o proprietário rodou somente 500 km.
“Ter esta moto é mais do que um sonho que se tornou realidade. Andar com ela pelas ruas de Tóquio é surreal. Sempre achei que é quase um dever para os proprietários e pilotos de carros e motocicletas de sonho permitir que outros tenham a chance de olhar e fazer perguntas”, disse o orgulhoso proprietário.
“Os japoneses são geralmente muito tímidos e reservados, mas esta moto sempre provoca reações positivas muito fortes”, continua. “Não foi apenas um feito audacioso de engenharia, mas talvez um dos últimos grandes projetos de bolha econômica da Honda em seu auge“.
A motocicleta passou por uma revisão com um técnico altamente treinado na fábrica da Honda em Tóquio que substituiu freios, pneus, sistema de combustível, bateria e pneus. O motor obviamente nunca foi aberto. A marca japonesa parece ter gostado, pois nos últimos anos voltou a fazer peças de reposição para a RC30 e RC40 com os mesmos engenheiros da época.